segunda-feira, 3 de maio de 2010

Livro do Desassossego

A primeira vez que eu me deparei com o termo "desassossego" foi em um dos milhares de desabafos virutais que eu já fiz em minha vida. Depois de longos textos digitados na janelinha do MSN, quase teses de mestrado, veio o diagnóstico:

"Ah, André, você é um desassossegado. E não existe cura pra isso".

Fui pensando em novas formas de câncer e vírus letais. A moça, claro, como conhecedora da alma humana como só ela é, explicou logo em seguida. Desassossegados são aqueles que não se contentam com pouco e sempre estão em busca do melhor. Colocam a sua felicidade e sua qualidade vida em primeiro lugar. Procuram em si mesmos e em outras pessoas as melhores qualidades. Querem extrair da vida o que de fato importa. Buscam incessantemente por algo, e na grande maioria das vezes, não sabem muito bem o que é. Mas, são persistentes e esparançosos. Sabem que algum dia, tudo o que desejam irá acontecer.

Algum tempo depois, em uma dessas passeadas sem compromisso por livrarias, eu vejo um tal do Livro do Desassossego. Juro que não sabia da existência até então, e, mais grave ainda, que Fernando Pessoa era o autor. Sabe aqueles momentos meio mágicos em que o livro escolhe o leitor? Então, exatemente. Já aceitando a minha condição de portador dessa síndrome do desassossego há um certo tempo, percebi na hora que esse seria um dos grandes livros da minha vida. Li alguns trechos ali em pé mesmo, e não hesitei em comprar (mesmo não podendo, como sempre, obviamente).

Mas não espere do Livro do Desassossego um romance ou qualquer tipo de ficção. Na verdade, existe até um resquício de história criada, mas não é nem de longe o foco aqui. Fernando Pessoa usou um dos seus pseudônimos e criou um livro de pensamentos de um funcionário público chamado Bernardo Soares. O Livro é sua visão de mundo, inadequeções, inquietações, ansiedades e desejos. Descritos de forma fragmentada, como um diário da alma sem ordem cronológica.

Por isso mesmo, Livro do Desassossego fica em todos os cantos do meu quarto. Sempre que as coisas parecem um tanto sem sentido; as pessoas mesquinhas e desinteressantes; as tentativas sem resultado algum e a desesperança como a única a regir os acontecimentos, pego o livro, abro em qualquer página e leio algo que poderia muito bem ter sido escrito por mim. Dá um sensação de conforto saber que você não é o único a sentir todas essas coisas e que ser humano em um mundo cada vez mais automatizado não é falha de forma alguma.

Martha Medeiros deu a melhor definição sobre os desassossegados. Eis aqui:

Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constantemente, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.

Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.

Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam antes de concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.

Desassossegados não podem mais ver o telejornal porque choram, não podem sair mais às ruas porque tremem, não podem aceitar tanta gente crua habitando os topos das pirâmides e tanta gente cozida em filas, em madrugadas e no silêncio dos bueiros.

Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando sua abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente.

Desassossegados têm insônia e são gentis, as verdades imutáveis os incomodam, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente. Dessa raça somos todos, eu sou e só sossego quando me aceito.


E você? É mais um desassossegado?

Um comentário:

Rafaela Ferrari disse...

Eu sou desassossegadíssima.